Ricardo disse a testemunha que sempre recebia ameaças da PM

Original em: http://www.jornalggn.com.br/blog/ricardo-disse-a-testemunha-que-sempre-recebia-ameacas-da-pm

Jornal GGN – O auxiliar de serviços gerais Ricardo Ferreira Gama, assassinado no último dia 2, recebia ameaças da polícia muito antes de ser agredido próximo ao campus da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) da Baixada Santista, em 31 de julho. A suposta razão da intimidação: um passado como traficante de drogas. Segundo uma das testemunhas da agressão, que conversou com o Jornal GGN sob condição de anonimato, a declaração foi feita por Ricardo a um grupo de estudantes após ser liberado da Santa Casa de Santos – ele foi levado para o hospital pelos próprios PMs que o agrediram.

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Ricardo tinha cumprido cinco anos de reclusão por tráfico de drogas. Depois de sair da prisão, ele conseguiu um trabalho – era terceirizado na universidade federal havia menos de um ano. “Ele dizia que era frequentemente abordado pela polícia. Eles o rondavam, o ameaçavam. Eram ameaças sempre desqualificando ele [sic], dizendo que ele não iria conseguir trabalho. O que dava pra entender era que as ameaças eram feitas para que ele não conseguisse se manter fora do tráfico. Foi isso que ele contou, não sei se tinham outras intenções da polícia”, enfatizou.

Na ocasião, já de volta ao campus, o funcionário fez esse comentário com os três estudantes que gravaram parte da ação da polícia (veja vídeo abaixo) – eles também tentaram fazer um boletim de ocorrência sobre o ataque, mas desistiram ao receber ameaça da polícia. Em nota emitida pelo DCE (Diretório Central dos Estudantes), os universitários disseram que houve intimidação e ameaça de um policial sem identificação, dentro da própria delegacia – eram três, no total.

Segundo relatos já divulgados por outras testemunhas, entre a agressão e o atendimento médico, Ricardo teria sofrido novas ameaças dos policiais e alertado a desistir de relatar o fato à Polícia Civil. Por medo de represálias, ele pediu aos universitários que fizessem o mesmo.

Agressão

A abordagem da PM (Polícia Militar) aconteceu quando Ricardo estava em frente a uma casa abandonada, fumando cigarro com dois colegas de trabalho, por volta das13h30 daquela quarta-feira, (31). O imóvel fica na mesma calçada e a poucos metros da entrada do campus, situado à rua Silva Jardim. Uma viatura da PM com três policiais parou em frente ao local. Dali em diante, começou uma discussão, cujo motivo ainda não foi esclarecido.

A testemunha disse que, quando chegou ao local, Ricardo já estava sendo agredido. Durante o ataque, o funcionário gritava socorro e pedia ajuda. Como o imóvel estava abandonado, Ricardo foi levado para o interior da casa para apanhar mais. No tumulto, cerca de 40 pessoas ficaram ao redor da vítima e dos agentes de segurança pública, que o retiraram do local e o colocaram no camburão. “Nós gritamos, e falamos que os policiais não podiam levá-lo pra delegacia, já que ele era a vítima”.

Entre a agressão e o “passeio” forçado com a polícia, Ricardo ficou cerca de duas horas fora do local de trabalho. Segundo a testemunha, após a violência, os policiais tentaram despistar os estudantes que gravaram a cena dizendo que Ricardo seria encaminhado para o 1º DP (Distrito Policial), que fica no centro de Santos. Ao chegar lá, foram informados de que o faxineiro tinha sido levado para o 4º DP, que fica na região da universidade, no bairro Vila Mathias. Mais uma vez, a informação não procedia, e Ricardo não estava lá, e sim, na Santa Casa para ser medicado – a agressão causou uma fissura em seus lábios e, por isso, teve de receber cinco pontos.

Mesmo após ter sido liberado pela universidade, Ricardo resolveu voltar ao trabalho pressionado pela mãe, que estava em casa quando os policiais o entregaram. Na noite da quinta-feira seguinte (1), uma viatura da PM foi vista circulando pela universidade. Segundo testemunhas que estavam na faculdade na ocasião, um policial à paisana empunhava uma metralhadora para fora da janela durante a ronda.

Naquele dia, Ricardo resolveu sair mais tarde do trabalho – seu expediente se encerrava por volta das 22h. O auxiliar de serviços gerais morava muito próximo à universidade, mas resolveu esperar outros colegas para não andar sozinho pela rua. Apesar da cautela, foi assassinado na madrugada de sexta-feira (2), com diversos tiros em frente à sua casa, por quatro homens encapuzados. “Soubemos da morte dele na faculdade. A gente sumiu imediatamente da Baixada. Fizemos um esquema, e cada um foi pra um lugar diferente; soubemos, depois, que policiais andaram pela vizinhança da faculdade, incluindo a loja de xerox, para perguntar se eles conheciam alunos que fizeram vídeos da agressão”, contou a testemunha.

Procurada pelo Jornal GGN, a SSP (Secretaria de Segurança Pública) afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que o o delegado responsável pela investigação, Rubens Nunes Paes, do 4º DP, já instaurou um inquérito para o crime, registrado como “homicídio simples consumado”. Segundo o órgão, um representante do DCE, amigos e parentes serão chamados para prestar depoimentos. A polícia já solicitou as imagens do circuito de segurança da faculdade para análise.

“Voltem daqui uns meses”

Ao saberem da morte de Ricardo, os estudantes decidiram sair de Santos na própria sexta-feira em que ocorreu o crime, mesmo sem ter recebido novas ameaças, após a tentativa de registrar um boletim de ocorrência. Com a repercussão do caso dentro do espaço acadêmico, a testemunha, assim como os outros dois colegas, foi encorajada por professoras a sumir por “uns meses” da cidade. O conselho foi dado para que os universitários zelassem pela própria segurança, enquanto o caso da morte do auxiliar de limpeza não é esclarecido. “Falaram pra gente se manter afastado da Baixada nos próximos meses. Nenhum advogado da universidade procurou a gente. Falaram que a procuradoria da Unifesp iria tomar as providências, mas, até agora, nada”.

Na última quarta-feira (7), a universidade emitiu uma nota sobre o seu posicionamento pela morte do funcionário e disse estar em “diálogo com a Corregedoria da Polícia Militar de Santos para discutir o caso”. Também afirmou que a reitoria está em contato com o secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, Fernando Grella Vieira, e com o prefeito de Santos, Paulo Alexandre Barbosa, “com o objetivo de discutir o assassinato do funcionário e também os problemas de segurança da região”. Em relação aos estudantes que testemunharam o caso, nada foi mencionado.

Veja o vídeo: http://vimeo.com/video/72021637