Fonte: A Tribuna Online (http://www.atribuna.com.br/noticias.asp?idnoticia=199599&idDepartamento=5&idCategoria=0)
Cerca de 150 estudantes e funcionários da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) do Campus da Baixada Santista percorreram as ruas da Vila Matias, em Santos, no final da tarde desta sexta-feira, em protesto à morte do auxiliar de limpeza da instituição, Ricardo Ferreira Gama, 30 anos. O grupo acusa soldados da Polícia Militar de o violentar em frente à unidade central da faculdade, na Rua Silva Jardim, no último dia 2.
Com cartazes nas mãos que indavagam “Quem matou Ricardo?”, os manifestantes deitaram, por alguns minutos, na Rua Luiza Macuco, próximo à esquina da Avenida Conselheiro Nébias. As duas vias foram bloqueadas por agentes da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) de Santos. Diferentemente de outros protestos, este não foi acompanhado por policiais militares.
Não houve conflito ou qualquer princípio de confusão. As críticas foram feitas em direção à Polícia Militar, que nega qualquer abuso de autoridade ou, até mesmo, o homício do auxiliar de limpeza. Além disso, alguns manifestantes declamaram poesias, no meio da rua, que gritaram palavras em repúdio aos policiais e ao comando na Baixada Santista.
No início da noite, os universitários divulgaram um vídeo com as últimas imagens do auxiliar de limpeza antes do assassinato misterioso. Veja abaixo.
Entenda o caso
A execução do auxiliar de limpeza da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Ricardo Ferreira Gama ocorreu na madrugada da última sexta-feira. Ele foi assassinado com oito tiros e o caso mobilizou estudantes da instituição em que a vítima trabalhava. Após o crime, o Diretório Central dos Estudantes (DCE) da universidade divulgou em sua página no Facebook uma nota pública apontando ocorrências envolvendo Ricardo e policiais militares dias antes do homicídio.
Segundo o DCE, o assassinato de Ricardo “acontece num contexto em que o País ainda se pergunta ‘Onde está Amarildo? (desaparecido misteriosamente no Rio de Janeiro desde 14 de julho após ser visto pela última vez com 15 PMs)’ e em que a Baixada Santista enfrenta grupos de extermínio que matam jovens com um único critério: a vítima é pobre, negra e periférica”.
Durante ação da PM em um protesto dos estudantes, em frente ao campus Vila Mathias da Unifesp, na Rua Silva Jardim, Ricardo e alunos, portando celulares com câmeras, registraram todos os passos dos policiais.
Nesse momento, incomodado com a filmagem, um dos soldados teria proferido ofensas verbais a Ricardo, que não teria gostado e respondido prontamente. A reação do auxiliar de limpeza causara revolta nos PMs, que, segundo o comunicado do DCE, passaram a agredi-lo fisicamente.
“Alguns estudantes agiram verbalmente em defesa de Ricardo e foram ao 1º DP, para onde os policiais afirmaram que levariam o funcionário. Chegando lá, os alunos foram informados que o auxiliar de limpeza fora levado ao 4º DP. E no 4º DP, que eles estariam todos no Hospital Santa Casa”, diz o comunicado do DCE.
Liberado pela PM
Na unidade hospitalar, os estudantes encontraram os policiais. Eles informaram que Ricardo havia sido liberado sem o registro de boletim de ocorrência, pois o auxiliar de limpeza teria admitido não ter sido vítima de nenhuma agressão.
Posteriormente, já no campus da universidade, conforme a nota pública do DCE, Ricardo tratou de procurar os alunos para pedir que mais ninguém comparecesse à delegacia, pois os mesmos policiais teriam ido até sua casa dar o recado. “Do contrário, eles resolveriam a situação de outro jeito”.
Na noite do dia seguinte, integrantes do DCE afirmam que carros passaram a rondar o campus da Unifesp. Os ocupantes mantinham a cabeça do lado de fora da janela, como se procurassem alguém. “Pessoas também chegaram a entrar na universidade para pedir ao funcionário vídeos da agressão gravados pelos estudantes. Caso essas filmagens não fossem entregues, ‘tudo seria pior’”, ameaçaram os policiais, diz o DCE.
Oito tiros
E na madrugada do dia 2 tudo ficou pior. Quatro homens, em duas motos, assassinaram Ricardo na porta de sua casa, na Rua Silva Jardim, com oito tiros. “O Diretório Central dos Estudantes não se calará e se manterá em luta, junto da comunidade acadêmica e da classe trabalhadora contra a truculência e a violência policial contra a população pobre e trabalhadora. Queremos saber quem matou Ricardo”, garante o comunicado público no Facebook.
Polícia Militar nega ação
Procurada, a Polícia Militar apresentou uma versão contrária da divulgada pelo DCE. De acordo com a assessoria de imprensa da PM, a morte de Ricardo está supostamente associada ao tráfico de drogas do bairro. A crença da PM nisso está no fato de que, no dia 31 de julho, uma guarnição de radiopatrulha foi chamada para averiguar uma denúncia de tráfico na Rua Silva Jardim, próximo à universidade em que o auxiliar de limpeza trabalhava.
Ao chegarem no local, abordaram Ricardo. Segundo a PM, ele teria inicialmente recusado se identificar para os policiais. Diante de novos pedidos, o auxiliar de limpeza concordou em revelar a sua identidade. Em seguida, teve os antecedentes criminais levantados. Por conta do histórico, a PM teria decidido conduzir Ricardo ao 4ºDP. Entretanto, “o suspeito debateu-se até a chegada do responsável pelo serviço de limpeza da Unifesp, que conseguiu acalmá-lo”, alega a PM por meio de nota.
“Em seguida, o auxiliar de limpeza foi detido e conduzido primeiramente ao pronto-socorro, sem que o mesmo tivesse sido algemado”, relata a PM. Mais tarde, já no 4º DP, confirmado o histórico criminal de Ricardo, a polícia resolveu liberá-lo, pois nenhum crime na ocasião havia se configurado.
“Não houve também registro de boletim de ocorrência contra os policiais, pois o delegado de plantão não vislumbrou indícios de arbitrariedades ou de abuso de autoridade na abordagem ou na condução do suspeito para o distrito”, argumenta a PM, contrariando as acusações dos estudantes.
Apuração interna
Misteriosamente, no dia seguinte, Ricardo foi morto na porta de sua residência. Por cautela, a PM instaurou uma investigação preliminar, da parte do Comando do 6º Batalhão de Polícia Militar do Interior, para verificar a possibilidade de envolvimento de PMs no caso. A investigação já foi encerrada sem nada provar contra os policiais que conduziram Ricardo ao DP.
*Com informações de Bruno Lima e Sandro Thadeu