Um ano se passou e a pergunta permanece: Quem MATOU Ricardo?

“A justiça é cega, por que a verdade anda nua!” (Criolo)

Há exatamente um ano, Ricardo Ferreira Gama teve sua vida arrancada. A humilhação e a dor de ser espancado em frente ao seu local de trabalho por policiais e, mais tarde, a violência final ao ser baleado em uma esquina escura da cidade de Santos.

O caso de Ricardo não é diferente de todos os mortos em maio de 2006 (na mesma Baixada Santista), como também de Claudia que foi arrastada por um camburão da PM e seu corpo dilacerado, é muito semelhante com o caso de Amarildo que sumiu, parecido com o caso de Gleise que foi incendiada após denunciar a ameaça policial, não é diferente de todos os outros e outras mortos/as para que esse Estado militarizado possa viver.

Ricardo era como nós, como você. Ricardo tinha trinta anos, sonhos, amores, medos e desejos.

Quem matou Ricardo? (Quem matou está crescendo em tom e dor, pois o Estado, e todos os seus aparelhos repressivos estão vivos, nos violentando, disseminando medo e terror, dividindo-nos. Em Sófocles encontramos a passagem – passado abandonado jamais se torna passado. Que o passado não seja abafado. Que nossos mortos sejam lembrados, com a força para construir um presente. Que as mortes de nossos mortos não sejam em vão. A luta de classes também é isso: amar e lutar por quem a gente não conhece.

Relato de uma mulher que não se calará*

(*preservamos a identidade para não expor a pessoa. Os relatos podem ser enviados para o email quemmatouricardo@riseup.net)

No dia 31 de julho meu destino de alguma forma cruzou com o de Elvira Ferreira da Silva. Quando eu estava chegando na universidade com muita fome só pensando se daria tempo de encontrar as portas do Restaurante Universitário abertas, me deparei com uma cena de filme de terror, Ricardo Ferreira Gama estava jogado no chão todo ensanguentado, com três monstros em cima dele, muitas/os estudantes e trabalhadores/as estavam indignados/as em volta, mas ninguém conseguia impedir as agressões. Toda a fome desapareceu e eu só sentia indignação, raiva e muita vontade de gritar.

Não pensei duas vezes quando gritei, ameacei e tentei proteger com minha própria vida a vida de um companheiro, não sei se foi solidariedade de classe, se foi solidariedade de mulher com a Elvira, se foi “loucura”, apenas sei que o que senti naquele momento foi mais animal do que humano, uma vontade imensa de pegar o Ricardo e sumir com ele dali e protegê-lo, como Elvira faria.

Quando falamos de direitos humanos, vejo nisso um conceito vazio, defender um “politicamente correto”, quando nos indignamos e lutamos com toda paixão por uma causa não é luta por direitos, é luta por sobrevivência, e isso tem mais relação com o animal do que com o humano. E é essa luta que a maioria das/os militantes dos direitos humanos fazem, por isso são perseguidos/as, chamados/as de loucos/as, ou defensores/as de bandidos/as, porque reproduzimos a ideia que nesse Estado quem é da classe trabalhadora ou está “bem comportado” ou é bandido/a.

Mas o que quis dizer quando falei que minha vida cruzou com a de dona Elvira. Não conheço essa mulher pessoalmente, mas sei que sua dor é a minha, seus pesadelos nos últimos dias são os meus, tenho uma vontade enorme de voltar no tempo e reverter essa história. Mas não podemos voltar no tempo, não podemos construir lutas no passado, podemos olhar para o passado e construir lutas no presente, e muitos Ricardos ainda estão por aí, na favela, nos centros, nas faxinas e nas fábricas. A luta de classes é isso: amar quem a gente não conhece, lutar por aquele que sem dúvidas sabemos é igual a nós. Naquela quarta-feira, não tive nenhuma dúvida de que lado estava, sabia que não era do lado daqueles homens fardados e armados que ameaçavam a todos e principalmente ao Ricardo, não só eu como outros/as companheiros/as defendemos com nossas vidas, hoje eu só tenho uma certeza e é a mesma de Elvira:

“É muita coincidência uma coisa acontecer em um dia, e no outro o meu filho ser baleado, ser morto daquele jeito. Ele não tinha inimigos para ser morto daquele jeito. Não tem outra explicação, foi a polícia que matou o meu filho” Elvira Ferreira da Silva.

Quem matou Ricardo foi a Polícia Militar e o Estado brasileiro apoiou, e todos/as que se calarem serão cúmplices.

Somos todas/os Mães de Maio e vamos transformar o LUTO em LUTA.

Marcha Nacional Contra o Genocídio do Povo Negro ocorrerá dia 22

Fonte: Jornal GGN (http://www.jornalggn.com.br/blog/marcha-nacional-contra-o-genocidio-do-povo-negro-ocorrera-dia-22)

qua, 07/08/2013 – 13:13 – Atualizado em 08/08/2013 – 11:07

Jornal GGN – Entidades como Círculo Palmarino, Uneafro, Kilombagem e MNU (Movimento Negro Unificado) estão convocando para a Marcha Nacional contra o Genocídio do Povo Negro para o próximo dia 22, às 18h. Em nota publicada na convocação feita pelo Facebook, os organizadores do protesto afirmam que também lutarão contra o “racismo institucionalizado nas áreas da saúde – como a morte materna, responsável pelo falecimento de seis vezes mais negras do que de brancas durante o parto -, na falta de educação e investimento para o cumprimento da Lei da História da África nas escolas (lei 10.639)”, porque “a ausência de uma memória da história é também uma forma de matar”.

Assim como em todo o Brasil, a marcha paulista apoiará a corrente de protestos sobre o paradeiro do carioca Amarildo Dias de Souza, desaparecido há três semanas após ter sido detido para averiguação na Rocinha, zona sul do Rio, por policiais da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora).
A concentração da manifestação será no Teatro Municipal, na praça Ramos de Azevedo, s/nº, no centro de São Paulo. Até esta quarta-feira, o ato também está previsto para ocorrer em Salvador (BA), só que às 15h. Na capital baiana, a concentração será feita no Largo dos Aflitos.
Quem matou Ricardo?
Outra reivindicação que será abordada no protesto de São Paulo é a morte de um funcionário terceirizado da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), de Santos (SP), em circunstâncias misteriosas. O protesto está sendo chamado de “Quem matou Ricardo?”.
De acordo com nota divulgada pelo DCE (Diretório Central dos Estudantes), Ricardo Ferreira Gama foi morto em frente a sua casa, no dia 2. Segundo o diretório, a vítima foi morta com oito tiros por quatro homens encapuzados em frente à sua casa. Dias antes, Ricardo teria sido ofendido e agredido por policiais em frente à Unidade Central da universidade, na rua Silva Jardim.
Na nota, o DCE afirma que ”chegando na Unifesp, os estudantes foram procurados pelo Ricardo, que disse ter sido procurado em sua casa pelos policiais dizendo que se estudantes não parassem de ir à delegacia, eles resolveriam de outro jeito”.
Na quinta-feira (1) à noite, viaturas com homens não fardados de cabeça para fora rondavam a universidade. “Pessoas também chegaram a ir pessoalmente à Unifesp pedir a funcionários vídeos que estudantes teriam feito da agressão, e disseram que se ele não entregasse, ‘seria pior’”.